Ele me acolheu num abraço de Pai

No Evangelho somos convidados a descobrir o amor de Deus que se deixa encontrar por todos aqueles que a Ele recorrem em suas necessidades. Jesus vive em uma sociedade dividida entre os bons e maus, entre justos e injustos, entre pecadores e santos. Os mestres da lei, fariseus, doutores fazem parte de uma classe que se acha superior, muito mais próxima de Deus do que os outros. No entanto, de modo irônico, Nosso Senhor rompe com esses esquemas, não faz opção por esse aparentemente tão próximos de Deus, mas escolhe estar perto dos pecadores, cobradores de impostos, prostitutas, ou seja, daqueles tidos como pecadores e afastados de Deus. O critério para distinguir quem é santo e quem é pecador é a Lei, mas a Lei vivida ao modo dos fariseus, grupo que está em constante embate com Jesus. Jesus veio para cumprir a Lei, mas não ao modo dos fariseus, mas a Lei de Deus mesmo. E qual é a regra fundamental da Lei de Deus? O amor e a misericórdia. Por isso, Jesus conta a parábola do Pai Misericordioso, ou do Filho Pródigo (Lc 15, 1-32). Pensemos um pouco nos personagens desta narração:
O filho mais novo: impetuoso, sonhador, aventureiro. Pede algo que não tem direito: a herança, que pertence, na verdade, ao primogênito. Vai além: o pai ainda está vivo, e com essa atitude o jovem mata o pai dentro de si. Vive sua aventura, mas ao final, cai no fundo do poço. Na solidão e na fome se lembra com saudade da casa do pai, de onde partiu e volta arrependido, com vergonha. Tem medo do pai não o aceita-lo como filho e quer ser um empregado. Talvez pense consigo: é isso que eu faria nessa situação.
O filho mais velho: responsável com os negócios da família, mas carente internamente. Sente inveja do irmão, não sabe se alegrar nem perdoar e prefere fazer pirraça do lado de fora.
O pai: sábio, respeita as decisões dos dois filhos. Não trata os dois do mesmo modo, mas trata cada um de modo particular, de acordo com as suas necessidades. Sofre com a dor da partida, mas não impede o filho de ir, sabe que se prendê-lo em casa nunca terá dele o respeito que merece. Sofre com a saudade do filho, perde noites em claro pensando onde estará seu caçula, senta-se na varanda olhando para a estrada à espera da sua volta, por isso, quando o filho desponta na estrada seu coração de pai já o vê. Age com a firmeza de um pai, mas com o carinho de uma mãe. Acolhe sem querer explicações desnecessárias. Já basta o tempo da saudade, não quer perder tempo com satisfações, desculpas, age com misericórdia e devolve ao filho sua dignidade. Mas não se esquece do filho mais velho: se foi ao encontro do mais novo na estrada, vai também ao encontro do outro do lado de fora da festa. Respeita a liberdade dos dois, mas age com misericórdia nos dois casos.
Quantas vezes somos o filho mais novo! Quantas vezes “quebramos a cara”, fugimos da casa de Deus, deixamos o Pai a nossa espera. Quantas vezes descemos ao fundo da lama antes de nos lembrarmos que é na casa do Pai nosso lar! Mas quantas vezes somos o mais velho e na nossa arrogância escondemos o desejo que também nós tínhamos de ir embora viver uma aventura. Quantas vezes brigamos com o Pai por Ele ter agido com misericórdia com aquele infeliz que fez um monte de trapalhadas na vida e ainda assim consegue, na oração, atingir o coração de Deus.
No entanto, não somos chamados a ser ou o filho mais novo ou o mais velho, pois temos um pouco de cada um. Na verdade, somos chamados a nos espelharmos no Pai, a sermos “misericordiosos como o Pai” que acolhe, age com firmeza sem deixar de lado a suavidade materna. Deus age conosco não apenas pela justiça. Ai de nós se Ele nos tratasse apenas com justiça! Antes, é misericordioso, inclinado a perdoar o pecado. Nesse tempo quaresmal, peçamos a graça de sermos “misericordiosos como Deus é misericordioso” e – olhando para o que cada um tem de bom - nos espelhemos no filho mais novo que volta para a casa do paterna, no filho mais velho que está perto do Pai e na própria misericórdia do Pai, que é sem limites.